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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

a loira da matao

:: A Loira da Matão A loira fantasma dos caminhoneiros Recém-chegado ao Município de Nova Londrina, noroeste do Paraná – minha cidade natal – fiquei boquiaberto e curioso com o boato que corria de boca a boca: “A loira fez mais uma vítima!... Coitado do caminhoneiro!” A notícia percorreu a região, sangrou fronteiras, ganhou repercussão nacional. Todo mundo queria saber: Quem foi dessa vez? Um falava: - Foi o Tamba do l3l3. Outro: - Foi o Caolho Caçambeiro. E muitos diziam: - Foi o Japa Carreteiro; o Negão do Tanqueiro. Enfim, ninguém sabia ao certo. O incrível era, que, de jovens a velhos, todos comentavam alguma história sobre a “Loira da Matão”. Comecei então a bisbilhotar o caso. Tornei-me um caçador dessa história. Levei alguns apetrechos importantes para registrar minhas entrevistas, tais como: um gravadorzinho de bolso, agenda e caneta. Durante, aproximadamente, três meses, investiguei, conversando com os moradores da Fazenda Matão, circunvizinhos, trabalhadores rurais e muitos caminhoneiros. Muita gente foi enfática ao me afirmar que essa história não passava de fofoca, de boato mesmo, de história de caminhoneiro. Que era uma lenda. Por outro lado, um batalhão de caminhoneiro, alguns moradores, donos e funcionários de pequenas empresas – localizadas nas proximidades do local do medo – chegaram a me jurar de pés juntos, que, há mais de quarenta anos a loira vem aparecendo, assombrando, perseguindo e aniquilando não só caminhoneiros, mas também ciclistas, motoqueiros, moradores e transeuntes. Diziam que a maioria das vítimas tem vergonha de se expor, por “razões que a própria razão desconhece.” A lei do silêncio impera por algum mistério. Que muitos acidentes estranhos e inexplicáveis já aconteceram naquele trecho, onde “ela” aparece e pede carona. Que, muitos religiosos de várias crenças realizam ali missas, cultos, passes espirituais e benzimentos. Que o fato é assustador, sobrenatural, do outro mundo mesmo. Como se montasse um quebra-cabeça, juntei algumas peças e desvendei a seguinte história: Na década de sessenta, um rico senhor americano comprou uma propriedade fazendo divisa com a Fazenda Matão, município de Loanda– Estado do Paraná. Com sua família veio morar nela. Tinha uma bela filha de dezessete anos: loira, cheia de charme e muito mística. Algum tempo depois, ela conheceu um rapaz, o verdadeiro amor de sua vida. Namoraram, noivaram, e marcaram a data do casamento. Casaram-se num sábado. Dia de sol e de muita colheita... Fizeram a festa de matrimônio mais bela e requintada de que se tem conhecimento por aquelas redondezas, até hoje. Depois dos comes e bebes, partiram, no instante do adeus do astro-rei, felizes, repletos de amor, cúmplices da paixão, e seguiram rumo ao doce sabor do sonho da lua-de-mel. Ao sair da estrada vicinal, entrando na rodovia BR-376, no meio da Fazenda Matão, o carro quebrou. Alguém parou para ajudá-los. Ofereceu ajuda e, sem nenhum motivo, com uma chave de fenda em punho, desferiu um golpe certeiro no peito do noivo, que caiu morto. A garota, ainda vestida de noiva, saiu correndo gritando, pedindo socorro desesperadamente, mas foi em vão. O assassino, ao alcançá-la, imobilizou-a com um golpe de jiu-jítsu, e, ao amordaçá-la com algodão, cometeu o mais bárbaro crime contra uma pessoa indefesa, estuprando a garota covardemente. Não resistindo à brutal violência animalesca, naquele local, faleceu. O maníaco eviscerado, friamente, como se nada tivesse acontecido, juntou os corpos, e os enterrou numa vala, trezentos metros mata adentro; desapareceu com o veículo dos noivos e sumiu, não deixando pistas. Muito tempo depois, ao ser descoberta a sepultura do casal, e constatado através de autópsia, o crime hediondo, o pai da noiva ofereceu, em recompensa, uma fortuna em dinheiro vivo, para quem lhe trouxesse a cabeça do monstro homicida, vivo ou morto. Mas, até hoje ninguém, nem a polícia, o prendeu. A partir desse crime trágico, a aparição da “Loira da Matão”, tem sido uma constante, e um pesadelo assombroso na região. Depois que se espalhou um boato de que uma loira fantasma vestida de noiva, véu e grinalda – havia aparecido à noite para um caminhoneiro naquele trecho, muitos caminhoneiros não trafegam por ali ao anoitecer, nem que lhe ofereçam um baú de dinheiro. Por isso, ela ficou cognominada: A LOIRA FANTASMA DOS CAMINHONEIROS, o que não a impediu de aparecer para inúmeras pessoas. Eu mesmo fui testemunha ocular de um momento atípico, inexplicável, e, até engraçado: Enquanto eu entrevistava um borracheiro, por volta das dezoito horas daquele sábado, surgiu como um furacão um motoqueiro e sua acompanhante de cabelos em pé, trêmulos, com os olhos arregalados e assombrados, não conseguiam pronunciar uma palavra. Somente alguns instantes depois, a mulher parecendo um espantalho, disse: - Há uns dois quilômetros atrás fomos perseguidos por um ser estranho, que flutuava ao nosso lado, e quanto mais o Caju corria com a moto, mais o vulto nos acompanhava, nos seguia como um fogo esvoaçante. Nunca vi nada igual em toda a minha vida. O motoqueiro, sem graça - um negão de quase dois metros de altura – recompôs a voz e disse para o borracheiro: - Cara, eu tô todo borrado, tô podre. O que era aquilo pelo amor de Deus!.. Jesus Cristo! Nunca tinha visto uma assombração na minha vida. Pensava que isso era coisa de filme de ficção, sei lá! Desengonçado, cabisbaixo e resmungando, disse: - Confesso, sou medroso pra caramba.Tô muito envergonhado. Mas preciso do seu banheiro para me limpar. Depois do banho, agradeceu... E, com a sua garota seguiram para o bailão em Loanda. Um caminhoneiro, que pediu para não ser identificado, jurou-me, por tudo o que havia de mais sagrado, tê-la encontrado duas vezes, numa mesma noite. Já tinha ouvido falar dela antes, porém, achava tudo uma lorota, uma balela, conversa fiada; não cria na sua existência. Achava que era pura invenção do povo que não tinha o que fazer, que, inventava aquilo para amedrontar os caminhoneiros e os furtadores de laranja à beira da estrada. Era um homem cético nesses assuntos sobrenaturais. Acreditava que quem morria não voltava para perturbar ninguém. Mas que, se, hoje, lhe falarem que um cachorro fala, um papagaio pensa e um elefante toca piano, ele já não duvida de mais nada. E contou-me a sua história: “- Certo dia, peguei um frete – uma pequena mudança de Marilena a Paranavaí. Entre nove e dez horas da noite, justamente no trecho do pavor, no quilômetro cinqüenta e quatro, um pneu do caminhão furou. Era sábado, noite de lua cheia... bonita. Parei no acostamento e desci. Ao pôr os meus pés no chão senti algo estranho, um arrepio esquisito. Olhei instantaneamente à mata que roncava em sono profundo. O barulho dos bichos noturnos e o chirriar da coruja ressoavam em eco de encanto, espanto e magia. A escuridão penetrava furiosamente o coração da relva virgem. Nunca tinha sentido medo de coisa alguma, no entanto, naquele momento, fiquei transfigurado, paralisado, congelado até a alma. Ao perceber, por entre as folhagens um vulto que vagarosamente surgia e ressurgia do nada. Seu espírito ia se materializando... Seus olhos eram tristes, porém verdes e encantadores. Seu rosto, meigo como o de um anjo. Seus cabelos, longos e cor-de-mel. De seu corpo umedecido, escultural, torneado como o de uma musa inspiradora, pingavam gotículas de orvalho. No emaranhado de cipós deslizava-se como uma pantera e vinha ao meu encontro iradamente. Senti-me colado no chão, fui tomado por uma síncope descomunal. Estático, não pude nem correr, nem gritar. O instante de perigo foi mágico! Engoli a voz, fiquei com os olhos esbugalhados. Meu subconsciente me revelou de supetão: “É a Loira da Matão!”. Senti instintivamente que “ela” ia me pegar, e, sem titubear, apelei urgentemente para o meu santo protetor, São Cristóvão. Supliquei-lhe e implorei-lhe por socorro... Fiquei aliviado e maravilhado quando voltei em mim e percebi que tinha sido protegido por ele, quando vi aquela alma vagante sumir como um raio mata adentro. Recuperado do susto, troquei o pneu e pus o pé na estrada. Restabelecido, comecei a cantarolar músicas sertanejas; já havia andado mais ou menos uns cinco quilômetros, quando de repente, parei de cantar e pensei: “Aquilo foi uma miragem, um sonho, um devaneio. Afinal, estou cansado, sem dormir desde ontem, vida de caminhoneiro não é fácil! A gente começa a ver coisas estranhas. Até fantasma aparece!” Convenci-me que tinha cochilado, sonhado, tido uma alucinação, sei lá! Coisas da insônia... Quem sabe? Repentinamente, olhei na estrada e vi uma linda mulher, loira, uma gata daquelas de arrepiar até a alma! Acenava e pedia carona. Como bom cristão que sou, diminui a velocidade do meu “garanhão”, pensei em parar e levá-la. Mas, ao me aproximar, lembrei-me da miragem, do pesadelo, daquela coisa que tinha visto minutos antes, e, ainda meio confuso, traumatizado, pisei fundo no acelerador e saí em disparada... Juro, esqueci nesse momento o meu lado caridoso. Nervoso, liguei o rádio, acendi um cigarro e tentei não pensar naquilo. Meu caro caçador de história, quando olhei à minha direita ela estava sentada ali do meu lado... Sem saber o que fazer – e nem sei como ela entrou – comecei a orar e a rogar para todos os santos. Mas nada adiantava, ela continuava ali, como quem desejasse se comunicar. Enfurecida, ela começou a se metamorfosear: seus olhos começaram a lampejar; de seus ouvidos, nariz e boca brotavam algodão, muito algodão ensanguentado; de seu corpo em erupção jorrava sangue por toda parte e exalava um odor, um mal cheiro insuportável... Aos poucos foi se decompondo...Era coisa d’outro mundo, cara! Eu fiquei desesperado, perdi o controle do caminhão que no asfalto derrapava num e noutro acostamento, dirigia em ziguezague. Eu vi a morte sentada ao meu lado, fiquei frente a frente com a feiúra da morte. Nunca vi nada tão horroroso em toda a minha vida. Sentindo que eu ia morrer, vendo a morte de perto, comecei a orar e a clamar por Deus, em nome de Jesus Cristo Nosso Senhor, dizendo: Salve-me, senhor! Salve-me, senhor! Sangue de Cristo tem poder! Perdoa os meus pecados! Eu acredito! Eu acredito em Deus!... E, o bicho, transfigurado, como um fênix, ressurgiu daquela coisa gosmenta, olhou pra mim, como quem dissesse: - Estou decepcionada... Voou pela boléia do caminhão esvoaçante e, misteriosamente, desapareceu na escuridão. Depois, segui minha viagem, mas, confesso que por ali não passo ao anoitecer de jeito nenhum, nem que me paguem uma fazenda de café, porque o bicho é feio, fede como gambá e é assustador. Deus que me livre!!!” “Quero deixar aqui os meus agradecimentos a todos os que me ajudaram direto ou indiretamente a reconstruir essa história fantástica que independentemente de ser ou não verdadeira, fica o registro para a posteridade tomar conhecimento de que um dia, A LOIRA FANTASMA DOS CAMINHONEIROS, deu muito o que falar na região noroeste paranaense, ganhando repercussão nacional e internacional, e mexeu psicologicamente com a cabeça de uma geração. A minha tarefa foi contar a história, porque duvidar da fé de alguém, nem eu, nem você, nem ninguém pode.” Direitos autorais: Registrado pela Fundação Biblioteca Nacional/RJ Ministério da Cultura N° Registro:191.181, Livro 327, folha 337 A Loira da Matão (72 páginas) 1ª edição 1999 - Editora Scortecci/SP Autor - Osmar Soares Fernandes - Publicado no Recanto das Letras

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